A AQUISIÇÃO DE CONTROLE URINÁRIO E DE ESFÍNCTER
“Sabe por que está chovendo? A nuvem não aguentou e está fazendo um xixi de nuvem.” Y., 4 anos
POR QUE NÃO “DESFRALDE” E SIM DEIXAR A FRALDA OU ADQUIRIR CONTROLE?
Os controles urinário e intestinal são próprios de cada criança e são adquiridos por processos maturacionais, ou seja, biológicos, somados a um compilado de
experiências. Por isso, ela deve ser tão respeitada quanto respaldada no seu processo, afinal precisará também abrir mão das relações de cuidado e contato
direto nas trocas das fraldas progressivamente substituindo por outras relações com o mundo. O autocontrole urinário e do esfíncter refere-se a um processo
interno da criança, mas o ambiente pode comunicar para ela sentidos desse controle. Assim, quem deixa a fralda é a criança. Os adultos poderão dar apoios
concretos e emocionais, mas não poderão controlar por ela - e se tentarem, podem lhe causar sérios prejuízos até na vida adulta.
QUAL O MELHOR MOMENTO PARA A CRIANÇA DEIXAR A FRALDA?
A idade da criança não é condição suficiente para a retirada de fralda, tampouco o tempo (calor/verão) ou mesmo a criança se recusar a colocar a fralda ou tirá-la.
Um grupo de sinais e condições em progressão precisa ser considerado para se deixar a criança sem as fraldas, além da idade, bem-estar com a temperatura
ambiente (que é relativo para cada criança bem como para cada família), e incômodo com a fralda:
- o reconhecimento de si: criança nomeia ou sinaliza o xixi/cocô primeiro depois de fazer, num segundo momento enquanto faz e, em seguida, antes de fazer, mesmo
que segundos antes – o adulto precisa ajudá-la a nomear e demonstrar interesse por essa informação de forma natural;
- a criança precisa ter um significado positivo do vaso – não ter medo ou receio de sentar-se nele, sustentar-se sentada por alguns segundos;
- os adultos precisam estar desejosos dessa conquista da criança e dispostos a encarar os escapes e o aparato de cuidados e afazeres que deles se seguem,
como acompanhar a criança ao banheiro (mais vezes do que trocava as fraldas), a lavagem e troca de roupas, lençóis e cobertas, tapetes, cadeiras, sofás etc.
CONSTRUINDO SIGNIFICADOS
Os primeiros passos em termos de iniciativas do adulto estão nas experiências cotidianas que dão funcionalidade ao uso do vaso e à percepção de si mesmo.
Com naturalidade, podemos ajudar na construção dos significados que "ir a banheiro" tem. O controle de reter, soltar, aliviar, molhar, evacuar, relaciona-se
com experiências íntimas de prazer.
–O vaso
Os adultos devem apresentar para a criança a função do vaso, servindo de modelo – fazendo o uso à frente dela, nomeando de maneira que a criança possa observar e significar; jogando o cocô da fralda nele e dando descarga. A criança pode ser convidada para experimentar sentar e, conforme aceita, estimulada pouco a pouco a ficar mais tempo, sustentar-se sentada. Sentar-se num buraco vazio pode gerar insegurança para a criança.
– Penico ou privada?
O ideal seria que a criança já pudesse fazer uso do vaso, assim não precisaria fazer a transição do penico para a privada, o que pode, ocasionalmente, ser um
desafio. Além disso, nem sempre terá um penico à disposição, em locais públicos, por exemplo. (No Thema, temos vasos menores, adaptados ao tamanho das
crianças). Entretanto, mesmo com adaptadores para os assentos, há crianças que se sentem inseguras não apenas pela sensação de sentar num buraco, mas
também pela falta de apoio para os pés. Assim, cada família deve encaminhar conforme sente o conforto e segurança da criança, vislumbrando o uso do vaso em
prazo breve. Ressalva para os penicos com personagens e músicas, pois criam um encantamento externo maior que desfoca a criança da sua autopercepção: ao
invés de se concentrar nela mesma, fica mais interessada nos aparatos e pode criar uma dependência desnecessária ou disfuncional.
“Neném nasce pelado só de fralda né?” B., 5 anos
– Recusa ou incômodo com a fralda
Há crianças que ficam incomodadas com a fralda e tentam arrancá-la, ou mesmo lutam para que não seja colocada. Isso não significa que ela esteja apta para a
responsabilidade do autocontrole, mas já demonstra um passo em direção à busca por autonomia. Orientamos que seja colocada sempre uma cueca ou calcinha por
cima da fralda para que ela compreenda essa substituição sensorialmente primeiro e identifique que não ficará sem nada. Entretanto, é interessante que ela possa
experimentar por alguns momentos estar sem a fralda para perceber/sentir o xixi e o cocô ampliando sua consciência.
– Os elogios e reações dos adultos
Se os adultos têm reações intensas mediante o uso efetivo do vaso ou os escapes, a criança fica mais atenta às reações dos adultos do que a si mesma. No caso do
elogio, por exemplo, se fazemos uma grande festa e comemoramos com muita alegria, nas vezes que não sair nada, mesmo que o adulto tenha uma reação
natural, comedida e compreensiva, a criança sente que deixou de receber toda aquela festa. No caso de reações negativas aos escapes, se os adultos expressam
nojo, irritação e impaciência, a frustração social ganha espaço e a criança fica ainda mais receosa: além de lidar com o próprio corpo, precisará lidar com o
incômodo provocado aos outros. Os adultos devem encorajar a criança com naturalidade, passar a mensagem de que confiam na capacidade dela e de que
são parceiros para as conquistas e frustrações, mas, mais do que isso, devem ajudá-la a se reconhecer: “Ufa, que alívio fazer cocô”, “Ah, como é gostoso fazer
xixi!”.
“Esse xixi foi alivioso.” L., 4 anos
– Pode desistir? Voltar atrás?
Segurar muito o xixi é pior do que deixar escapar, pois pode levara problemas de saúde como uma infecção urinária, ou à necessidade de intervenções médicas
como uma ou lavagem intestinal. Assim, se o impacto emocional diante do uso do vaso for muito intenso, de medo, ao ponto de a criança se recusar terminantemente, chorar e supercontrolar/prender/reter pedindo insistentemente a fralda, é possível sim e saudável retomar o uso da fralda até que seja possível desvencilhar o sentido negativo da ação de usar o vaso com o fazer xixi e fezes, ou mesmo respeitar seus tempos maturacionais. Outra situação em que se pode retornar ao uso de fraldas temporariamente é quando uma criança que adquiriu o controle de fezes há pouco tempo volta a perder o controle numa sequência de episódios de diarreia em função de alguma doença.
Algumas crianças até conseguem ficar bastante tempo retendo a urina sem receios ou complicações e isso pode ser bom em alguma medida para fortalecer a
musculatura - avalie o caso.
– Regressos
É comum que no início da retirada das fraldas, a criança fique muito animada e envolvida e, depois de algum tempo, as coisas deixem de ser novidade e percam o
encantamento, trazendo também a consciência da responsabilidade de lembrar de ir ao banheiro e de parar o que está fazendo para isso. Assim, a criança que já
demonstrava certo controle dos esfíncteres passa a ter mais escapes. Outros motivos para isso podem ser desafios de desenvolvimento – o empenho cognitivo
ou emocional em algo que demanda energia e concentração da criança. Esses escapes não devem ser motivo de preocupação dos adultos, tampouco de
impaciência. Há crianças ou momentos em que elas podem deixar escapar sim como uma forma de atingir alguém, mas apenas se o adulto se mostra impactado
com isso. As reações devem ser mais semelhantes às primeiras situações: acolhimento e ao mesmo tempo a comunicação de que se confia que a criança
consegue e pode dar conta desse controle. Sabendo já da convenção social de usar o vaso, há crianças que se envergonham com os escapes e se as reações
forem intensas ou de forte cobrança podem gerar mais insegurança e novos escapes: é preciso dizer à criança o que se espera dela, o controle que é sabido
que ela tem, mas acolhê-la nessas situações que podem ser constrangedoras.
“Mamãe, você quer um presente? Vou fazer um cocô de minhoca bem grande de presente!” L., 2 anos
– Comunicações e o idioma do "xixi e cocô"
Os diálogos entre os adultos atribuem significados marcantes para as crianças. Se quando a família busca a criança, por exemplo, na casa dos avôs ou na escola e a
primeira conversa é sobre o xixi: “Deixou escapar alguma vez?”, “Conseguiu fazer xixi no vaso?”, a criança tem nítida percepção das expectativas focadas dos
adultos na aquisição e nas frustrações do processo e assim vai identificando-se como capaz ou não, potente ou frágil e, talvez até, compreendendo que depende
mais do controle dos adultos do que de si mesma. Se o assunto é conversado diante da presença da criança, ela precisa fazer parte da conversa e não ser
exposta às decisões dos terceiros. Se adquirir o controle urinário e de esfíncter é tão natural quando andar ou falar, não há porque ser a "língua da vez" - se
falarmos o tempo todo só sobre isso, ela usará o "xixi e o cocô" como idioma e falará por meio deles também - diante de tantas ansiedades e expectativas pode
até afrontar os adultos com essa linguagem.
As conversas entre os adultos sobre o processo da criança têm influência direta no processo dela mesmo que o adulto não seja conhecido. Se estamos num local
público, por exemplo, e alguém comenta ou pergunta: “Puxa, ela não está grandinha para usar fralda não?”, “Ela ainda usa fralda?”, a resposta do adulto de
referência precisa ser dada em função principalmente da criança e não do interlocutor. Se respondemos algo como: “É que ela ainda não tem 3 anos.”, a escuta da criança pode ser de que não tem competência para tal ou que sua idade define suas habilidades e que ela será motivo de cobranças – já presenciamos uma criança que depois de cantar os parabéns e olhar para o amigo do lado, disparou a chorar, pois achou que ao fazer anos cresceria e ficaria alta como o amigo. Diferente de dizermos: “Ah, ela está aprendendo sim a usar o vaso e está conseguindo aos poucos como cada um”, por exemplo.
– Deixar as fraldas à noite
Por condições biológicas, primeiro a criança deixa as fraldas durante o dia e num segundo momento à noite, pois além de a noite exigir maior reserva e tensão
muscular da bexiga que ainda pode estar em treino/exercício, ainda há o amadurecimento dos processos do sono. Isso deve acontecer por completo, em
média, por volta dos 5 ou 6 anos de idade, embora cada criança seja única - algumas crianças chegam a tirar as fraldas de dia e à noite ao mesmo tempo, mas
não é o mais comum. Diminuir o consumo de água antes de ir dormir e durante a noite favorece.
– Ficar lembrando a criança de ir ao banheiro de dia ou acordá-la à noite
Nos primeiros momentos sem fralda, pode ser benéfico sim que o adulto convide a criança a ir ao banheiro durante o dia sem pressioná-la, mas se ele sempre se
antecipar lembrando-a, ela pode ficar condicionada a isso e não adquirir autonomia. Depois de percebida a capacidade de controle da criança, será importante aumentar aos poucos o intervalo de lembretes, de modo que ela possa identificar sua vontade antes mesmo de ser sinalizada pelos adultos. O mesmo vale para a noite, acordar a criança à noite para levá-la ao banheiro pode ajudá-la no início, mas posteriormente é importante que ela possa despertar do sono com a vontade para dirigir-se ao banheiro. Nesse caso, estamos falando de três processos: o reconhecimento da vontade, o controle e o de despertar do sono...
Não tenha pressa!
“Menino e menina não são iguais, porque menino tem costeleta, e menina não!” T., 5 anos
– Existem diferenças entre meninas e meninos?
As diferenças no processo de retirada das fraldas são tão relativas quanto a afirmação de que “os homens são mais altos do que as mulheres” – não podem
ser generalizadas, mesmo que possam se fazer verdadeiras em alguns casos. O desenvolvimento humano é complexo demais para ser restringido assim. O que se
pode observar é mais a influência de algumas intervenções como o estímulo para os meninos de fazer o xixi em pé. Pode não ser significativo, mas caso o menino
cristalize a ideia de fazer xixi sempre em pé, tem menos oportunidades de se sentar e relaxar, favorecendo constipações intestinais e consequentes escapes. É
mais difícil aprender a controlar os sistemas já tendo que separar o da urina e o das fezes. Ou seja, ensinar o menino a fazer o xixi sentado nas primeiras ocasiões.
– até que adquira o controle urinário e intestinal, pode ser interessante. Além disso, encontramos a dificuldade higiênica e social de que os meninos façam xixi
na grama, no chão em qualquer lugar, desassociando o ato de urinar do banheiro.
- Apressar x acomodar
Pressionar a criança para deixar as fraldas quando ela não está pronta, além de ser uma atitude agressiva que sobrepõe expectativas de maternidade e paternidade, ou mesmo sociais aos seus processos de desenvolvimento, pode causar uma grande tensão na família e consequências imediatas ou a longo prazo sérias - já citamos algumas: infecções, lavagens intestinais - hospitalizações, baixa auto-estima, rebeldia e problemas urinários na vida adulta pela hipertensão muscular condicionada quando criança. Por outro lado, o fato de a criança usar fraldas a confere uma identidade de bebê e muitas vezes como pai e mãe nos acomodamos e nos identificamos tanto com os afetos desse momento de desenvolvimento que não damos permissão para a criança crescer. As facilidades do mercado também nos apoiam para isso - hoje existem fraldas "dez XG" (felizmente para acolher pessoas em necessidades específicas, mas não em casos de desenvolvimento típico/normal). O desenvolvimento não é sempre harmônico, não crescemos em linha reta sempre, todos temos momentos de dúvidas, dificuldades e inseguranças, mas há uma tendência natural ao crescimento - escute a da sua criança!
NA ESCOLA
No Thema acompanhamos o processo de cada criança em parceria com a família. Por se tratar da aquisição de um autocontrole, consideramos de forma
individualizada, nunca coletiva, embora as crianças tenham a possibilidade de acompanhar/visualizar outras crianças fazendo uso do vaso, o que lhes serve de
referência/modelo. De uma forma geral, as crianças costumam adquirir o controle urinário e intestinal, em maior parte, ao longo do Grupo 1 e início do Grupo 2.
Tanto a escola pode identificar um grupo de sinais e o desejo da criança e procurar pela família, quanto a família pode procurar a escola pensando em criar contextos
para a retirada das fraldas juntas. O ideal é que o processo se dê em conjunto, para que não haja um procedimento em casa e outro na escola, canalizando o
empenho da criança. Para tanto, é importante agendarmos uma conversa sobre o assunto antes de começarmos mudanças significativas a fim de combinar detalhes
alinhados com o movimento da criança, tais como: se a criança fará uso da fralda no deslocamento/transporte de casa à escola e da escola para casa, se ela fará
uso da fralda para dormir na escola, se será necessário enviar fraldas, como organizaremos a comunicação entre família e escola durante o processo, se
faremos diferentes encaminhamentos para urina e fezes ou não, quantidade de peças para as trocas de calcinhas, cuecas, roupas, sapatos etc.