POR QUE ACOLHIMENTO E NÃO ADAPTAÇÃO?
A palavra adaptação, por si só, pressupõe um movimento exclusivo da criança, que envolve atitudes e emoções voltadas para um consentimento. Não queremos
que as crianças simplesmente se acostumem no sentido de se conformar com uma nova rotina de vida que inclui a escola no seu dia. Ir a uma escola diariamente
traz uma mudança de identidade para a criança, ela irá dia a dia acolher as novidades de quem vive em relações coletivas, convive com novos ambientes,
pessoas, barulhos, objetos. Mas, principalmente, ser acolhida.
O ser humano é o único mamífero que nasce sem aprender a andar em poucos minutos, precisa de colo. Junto com eles, os colos vão crescendo e se ampliando.
A escolha do termo acolhimento representa uma iniciativa educativa dos adultos, que aos poucos pode ser vivida em reciprocidade com a criança.
Referimo-nos a acolhimento como uma postura de vida, uma competência relacional educativa – não apenas uma atitude voltada aos primeiros dias da vida escolar de uma criança ou aos primeiros momentos de uma rotina diária escolar, mas uma atitude de disponibilidade para encontrar-se com o outro, de entregar tempo e escuta, braços, colos, emoções e pensamentos.
Acolher não se trata de aceitar passivamente casualidades, implica um fazer motivado para a criança – que compreenda tão bem suas necessidades a as atende responsivamente a ponto de poder se recolher porque tem como intenção seu crescimento e não sua dependência em relação aos adultos. Uma escuta ativa e atenta de busca por reconhecer e valorizar as ideias, experiências e sentimentos das crianças implica inclusive em avaliar s conceitos e hipóteses que construímos a respeito delas.
Pensar em acolhimento enquanto uma abordagem pedagógica de vida exige previsão, organização, ação e verificação. Para acolher, é necessário preparar o ambiente/espaço para esperar e receber, pensar nos materiais e objetos que atendem os interesses e necessidades do outro, planejar e projetar oportunidades de diálogo – gerenciar a escuta das crianças considerando que possuem uma cultura tão própria como se pertencessem a uma tribo ou etnia diferente.
Para o adulto ser acolhedor é imprescindível que ele potencialize sua capacidade de saber ver, ver aquilo que há de valor na criança e nas suas vivências, reconhecer o que pode ser encorajado, ver em si mesmo também o que há de mais autêntico e divergente a ser oferecido na construção de uma nova relação que inspire segurança e empatia.
A DECISÃO E A ESCOLHA DA ESCOLA
A entrada da criança na escola é um momento marcante. Em primeiro lugar, é importante que a decisão de colocar a criança na escola seja tomada de maneira
consciente levando em conta tanto as necessidades dos pais quanto as da criança.
A primeira infância é a fase de maior e mais rápido crescimento e desenvolvimento humano: constitui a base de sua construção enquanto pessoa e acolhe as
primeiras experiências e significados do mundo. Aos poucos (e bem cedo), as necessidades das crianças vão se ampliando: além dos cuidados com
alimentação, sono e higiene, as crianças precisam de oportunidades para conhecer, explorar e aprender o complexo mundo: das coisas, das sensações e
dos sentimentos, das relações humanas. Escolas de educação infantil são especializadas em administrar com responsabilidade cuidados, atenção e
educação, oportunidades sociais e materiais para o desenvolvimento das crianças.
Considerando estas necessidades de pais e filhos e conhecendo e concordando com os recursos físicos, materiais e profissionais da escola escolhida, a filosofia e
os valores da mesma, não há motivos para que os pais se sintam inseguros ou culpados pela decisão. Vale lembrar que a escola jamais substituirá o afeto que
vincula a criança à sua família: a família é e sempre será a principal referência afetiva de todos.
O PROCESSO DE ACOLHIMENTO
Adaptações são parte integrante do desenvolvimento, já que as pessoas estão continuamente adaptando-se a novos momentos, ambientes e situações ao longo
do ciclo vital. A cada coisa nova que aprendemos, mudamos e, às vezes, precisamos mudar o que está ao nosso redor. Vamos nos desenvolvendo entre estabilidades e mudanças, um processo contínuo e recíproco de transformações.
Quando a criança ingressa na escola, ela precisa mais do que se adaptar, precisa ser acolhida nesse novo ambiente, o que implica num movimento que não é exclusivo dela, mas especialmente dos adultos. Para ela, são muitas novidades: novos espaços para explorar, novas pessoas para conviver, novos sons para escutar, em algum momento, até novas regras para entender. Algumas novidades podem ser imediatamente motivadoras, outras podem causar estranhamento no início.
Sentimentos e comportamentos inesperados em relação à escola podem aparecer. Então, é preciso procurar pacientemente entender o que se passa, conversar e transmitir segurança. Assim, a parceria entre a família e a escola, trocando ideias e informações, será excelente para favorecer esse acolhimento.
Quanto mais a criança estiver habituada e afetivamente ligada ao ambiente escolar, mais naturalmente ela poderá encarar mudanças, novidades e medos.
Cada criança e cada família tem seu próprio ritmo e seu próprio modo para se adaptar. Falamos em processo, pois se trata de um movimento gradativo que vai
se construindo nas interações entre as pessoas e os ambientes.
Este processo depende, dentre outros fatores, das características da criança, de sua idade e da fase de desenvolvimento em que se encontra; e das características
dos familiares e das pessoas envolvidas no ambiente escolar. Este costuma ser um momento de emoções diversas, encantamentos e ansiedades para todos. Criar
vínculos e uma relação de confiança demanda tempo.
A Educação Infantil é, para muitas crianças, sua primeira experiência social e exige, portanto, um grande empenho emocional de todos.
O ACOLHIMENTO POR PARTE DA FAMÍLIA
Os pais podem ficar ansiosos e divididos entre a perspectiva de ver seus filhos conquistando novos espaços e, ao mesmo tempo, “entregá-los” para esses
espaços "desconhecidos".
Em linhas gerais, como os familiares podem ajudar seus filhos neste momento?
- preparar-se: sempre conversando e conhecendo bem como a escola procede diante do processo de acolhimento e auxiliando as pessoas envolvidas no
conhecimento de seus filhos. Sempre que forem necessárias conversas mais demoradas com a professora, pedimos que a façam na hora da saída ou agendem
por meio da coordenação;
- conversar com a criança, independente da idade (as crianças nos compreendem desde muito cedo) com otimismo e serenidade sobre a escola a fim de que ela
possa criar um significado positivo dela: falar sobre o novo espaço, sobre as educadoras e sobre as outras crianças, contar suas próprias experiências (dos pais) quando criança, apontar amigos e primos da criança que vão à escola, combinar a rotina do dia situando o tempo conforme a percepção da criança.
Entretanto, não convém antecipar nem repetir muito o assunto para não gerar ansiedade desnecessária, visto que as crianças possuem uma noção do tempo muito particular, com uma percepção bastante diferente da do adulto – muito mais baseada na vivência do que numa organização cronológica;
- não criar falsas expectativas, nem demonstrar ansiedade e dúvida sobre o seu bem estar no espaço. Acreditar na criança e nas possibilidades que ela tem e terá
e transmitir essa segurança à criança, não deixando transparecer as suas inseguranças;
- demonstrar compreensão, amor e paciência, procurando entender as emoções, o ritmo e o momento da criança;
- permitir que ela traga um objeto de apego de casa se for importante para ela;
- dar espaço para que a criança reconheça e crie o seu próprio espaço na escola: para que a criança possa conhecer e gostar da escola e das pessoas aqui presentes, faz-se necessária uma certa distância dos pais, é preciso oferecer um espaço para que o adulto de referência na escola possa conquistá-la. Esse espaço
deve ser ampliado progressivamente até que a despedida possa ser enfrentada sem desvios, de forma prática e rápida, sempre com demonstrações de carinho,
firmeza e confiança;
- não esperar que a iniciativa da despedida aconteça por parte da criança: se o adulto não der conta dessa despedida, como pode esperar que a criança dê? A
iniciativa de entrega da criança da escola deve partir dos pais, favorecendo as relações construídas entre a criança e a escola.
A CRIANÇA E SUAS MUDANÇAS
O processo de desenvolvimento da criança dá um salto com a entrada na escola – ela prontamente reconhece um mundo de possibilidades e experiências bem mais
amplo. Sua percepção e consciência do mundo podem provocar uma tempestade de sentimentos e consequentes mudanças de comportamento também em casa,
que envolvem dualidades tanto do reconhecimento de conquistas, confiança, auto-afirmação da autonomia, quanto de dúvidas e inseguranças. Dentre as mudanças,
pode aparecer: recusa de alimentação ou mudança de apetite, excitação, agitação ou quietude, cansaço, irritação, birras, choro, apego e demonstração de
comportamentos anteriores ou infantilizados. É importante que essas mudanças, que são temporárias ou cíclicas, sejam acolhidas e respeitadas – que seja oferecido tempo e paciência para que a criança supere essas questões, sem deixar de lado a certeza de que essas são mudanças que justamente impulsionarão as conquistas e desenvolvimento da criança para próximas etapas e desafios. Ou seja, é preciso acolher e compreender esses momentos, mas ao mesmo tempo encaminhar a criança para suas conquistas.
A IMPORTÂNCIA DA ROTINA
As crianças têm os sentidos apurados para adquirir novos conhecimentos (elas são capazes de aprender muito mais coisas em um dia do que os adultos), e um
mundo inteiro para conhecer. Ao mesmo tempo, não possuem uma noção de tempo estabelecida como a do adulto: elas se situam no tempo e no espaço de acordo com as experiências de sentidos e vínculos que criam com eles e com as pessoas ao seu redor. Assim, uma rotina estabelecida oferece segurança, tranquilidade e autonomia a elas, especialmente quando se trata do ambiente escolar, um lugar rico e múltiplo de pessoas, coisas e acontecimentos. Quando os pais e professores organizam os horários das crianças, favorecem um bom relacionamento delas com o mundo.
A ESCOLA NO PROCESSO DE ACOLHIMENTO
Para propiciar cuidado e educação de qualidade, impõe-se o pensar na formação e na capacitação contínuas dos profissionais a fim de que estejam preparados para
receber as diferentes situações que se apresentam e refletir sobre elas. Lidar com a entrada da criança na escola exige aceitar as múltiplas perspectivas com que
uma determinada situação é entendida/vivenciada pelos diversos participantes.
Isso pressupõe que a escola seja aberta, com clara disposição para uma relação franca e acolhedora com a família. Nesse panorama, as relações escola-família
colocam-se como o aspecto central de atenção, transformando-as em grandes parceiras nos cuidados e na educação da criança. Apenas de forma conjunta é
possível conduzir adequadamente o processo de adaptação à escola, por isso o acolhimento é fundamental.
A criança, para elaborar bem este processo de mudanças, precisa ter oportunidade para sentir falta da pessoa querida que está ausente, sentir-se triste, sozinha, zangada e talvez até animada, deve poder expressar seus sentimentos de maneira apropriada. Nesse sentido, é fundamental que a educadora esteja segura em saber intervir no momento certo criando uma relação afetiva de confiança, tanto com a criança quanto com os pais.
Os primeiros dias são realmente mais difíceis e cansativos, demandando maior dedicação por parte da educadora. E os desafios e conquistas são organizados de
forma progressiva. Aos poucos, vamos ampliando o tempo de permanência da criança na escola, o distanciamento dos pais dentro do espaço escolar e também
os vínculos e referências da criança em termos de espaços, adultos, colegas e combinados.
A coordenação poderá oferecer, durante todo o processo, apoio e intermediação entre a educadora e a família.
ACOLHIMENTO SEMPRE
O acolhimento não é um processo que se encerra. A construção de relações da criança com a escola permanece em contínua transformação, a partir da sucessão
de eventos, da aquisição de novas habilidades, da emergência de novos significados ou do contato com novas pessoas. O acolhimento não se restringe ao
ingresso na escola, pois inclui mudanças de grupo ou de educadora, retornos após ausências, novas habilidades conquistadas, novidades trazidas pelas relações.
Sentimentos e comportamentos novos em relação à escola podem aparecer. E, mais uma vez, é preciso acolher a criança com base nas relações de parceria
entre a família e a escola.