Pequenos Grupos



 

A organização em grupos pequenos é natural às relações sociais. Por afinidade ou por uma confluência de interesses, mesmo dentro de grandes coletivos, as pessoas tendem a se juntar em núcleos pequenos para aprender e compartilhar conhecimentos. A escolha de organizar as investigações das crianças desta maneira torna o aprendizado mais potente e significativo, uma vez que a empatia, a argumentação e a resolução de conflitos são exercitadas.

Em números pequenos, as crianças têm a possibilidade de construir a autonomia como parte dos processos de desenvolvimento e de investigação, já́ que, entre elas, buscam soluções para as situações sem necessitar da interferência ou comandos constantes dos adultos. Assim, cabe ao educador conhecer sobre os desejos, desafios e conhecimentos prévios de cada criança, selecionar as pesquisas em comum e combinar as potencias individuais, oferecendo contextos investigativos que as possibilitem agenciar seus aprendizados.

Nos percursos de descobertas trilhados pelas crianças, a escuta é uma atitude de relação favorecida nos pequenos grupos que vai além do sentido da audição, podendo acontecer através de múltiplas linguagens: saber escutar o silêncio, o gesto e o olhar para poder responder – talvez por meio de outro gesto, silêncio, olhar. A disponibilidade para a escuta garante uma presença humana para o diálogo, que acolhe e confronta as ideias dos outros, gerando um processo dinâmico em que as crianças desenvolvem suas habilidades e competências com significado.

Na organização em pequenos grupos dentro de um grupo maior, a relação entre pares é um aspecto relevante da construção de conhecimento. Esse processo de ensino mútuo, chamado de “passagem de competência”, é a base para elaborar teorias, construir hipóteses e testá-las com maior pertencimento. O conhecimento ou a experiência de um grupo pequeno podem ser transmitidos ou compartilhados para outras crianças (do grupo maior) que não vivenciaram a mesma situação. Esta experiência relacional gera uma tomada de consciência de cada criança dentro de um sistema e, ao final, um senso de responsabilidade em relação às pessoas e ao ambiente.

Compartilhar brincadeiras, espaços e materiais é crucial para uma aprendizagem significativa.

A ESCOLA, em seus processos e relações, é essencialmente POLÍTICA, ÉTICA e ESTÉTICA.
POLÍTICA, para nós, democrática e libertadora: o ser participativo, reflexivo e adaptável e que se entende como parte de um sistema.
ÉTICA, por valorizar profundamente as experiências humanas e tornar visível o aprendizado em relação.
ESTÉTICA, por voltar o olhar para aquilo que afeta a criança em suas relações e sutilezas, desenvolvendo as capacidades narrativas da sedução estética.


 

Nossas decisões sobre as práticas pedagógicas, relações e cotidiano estabelecidos na escola sustentam- se em amplos e progressivos estudos, conceitos e concepções.

Temos como base uma abordagem pedagógica crítica de concepção construtivista que considera os múltiplos processos e linguagens das crianças na construção de si mesmas e de seus aprendizados. Processos esses que interligam recursos maturacionais ou biológicos, que são apenas iniciais, aos vastos potenciais criativos e experiências relacionais, partindo do reconhecimento da construção histórica das pedagogias críticas que têm como precursores os educadores Pestalozzi, Froebel, Decroly, Freinet, Montessori, Dewey e Paulo Freire.

Para compreender como a criança aprende, buscamos nos aprofundar nos compilados de César Coll a respeito das teorias construtivistas e nos próprios pesquisadores, como Piaget (teoria genética - desenvolvimento psicológico), Vygotsky (teoria sociocultural), Wallon (afeto, corpo e pensamento), Luria e Leontiev (teoria da atividade), Ausubel (aprendizagem verbal), Bruner (teoria da instrução), Meyer (teoria de assimilação), Minsky (teoria de esquema), Kilpatrick (projetos) dentre outros, bem como didatas de conhecimentos específicos: Emilia Ferreiro, Mirta Castedo, Schneuwly e Dolz (práticas de linguagem), Guy Brousseau, Gerárd Vergnaud, Delia Lerner, Claudia Broitman e Horácio Itzcovich (matemática), Hilda Weissmann, Ana Maria Espinoza e Ana Maria Pessoa de Carvalho (ciências naturais), Beatriz Aisenberg e Silvia Alderoqui (ciências sociais), Charles Hadji, Jussara Hoffmann e Neus Sanmartí (avaliação).

São pontos de partida que se desdobram quando aprofundamos em repensar nossas práticas cotidianas com as crianças na disponibilização de recursos múltiplos de espaços, objetos, experiências e relações projetadas.

Nesse sentido, nos inspiram as pedagogias modernas de Reggio Emilia (Itália):

- Loris Malaguzzi, Carla Rinaldi, Vea Vecchi, Alfredo Hoyuelos, Gianni Rodari, Bruno Munari, Gianfranco Stacciolli e tantos outros. Os mesmos nos fazem rever os conceitos de infância - devir criança - junto às nossas pesquisas sobre a filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guatarri que ressignificam o aprendizado como rizomático - não linear ou sequencial, e sim atemporal em formas múltiplas de raízes que se interconectam e alimentam, pouco visíveis diante para um olhar distante de todos seus processos de vida. E, ainda, buscamos atualizações em Carl Rogers (acolhimento, competências relacionais), Howard Gardner (múltiplas inteligências), Michel Foucault (que nos faz repensar espaços e relações quando se debruça sobre as conexões existentes entre poder e conhecimento).

A abordagem Pikler tem fortificado nossos pensamentos a respeito da primeiríssima infância (0 a 3 anos), nos levando a aprofundar os estudos sobre a segurança que invade a relação adulto e criança quando praticamos uma pedagogia dos pequenos detalhes, segurança esta que encoraja a criança em suas iniciativas próprias, e por isso mais significativas, de descobrir o mundo. Além da própria Emmi Pikler, são referências de estudo e prática: Anna Tardos, Agnès Szanto-Feder, Magda Gerber e Judit Falk, ou com o brasileiro Paulo Fochi.

Ainda nos sustentam alguns poetas e filósofos, educadores ou não que, cada um em sua linguagem, coadunam e ramificam as demais bases de estudo, tais como Rubem Alves, Francesco Tonucci, Manoel de Barros e Fernando Savater. Yves de La Taille e Telma Vinha favorecem nossas reflexões a respeito das relações construídas diariamente na escola voltando-nos para a intenção de construir um ambiente sociomoral que favoreça a autonomia do pensar, assim como Peter Moss contribui para pensarmos sobre as questões políticas.

E, por fim, a temática da Natureza tem sido sustentada, além das bases já́ citadas, por referências como Gandhy Piorski, Gaston Bachelard, Walter Benjamin, Gregory Bateson. Este intenso repertório, sempre disposto à abertura, nos certifica dos caminhos que temos percorrido, mas também de tantos saberes e fazeres que ainda temos a percorrer!

Ao contrário, as cem existem

A criança é feita de cem.

A criança tem cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.

Cem sempre cem
modos de escutar
as maravilhas de amar.

Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir.
Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar.

A criança tem cem linguagens
(e depois cem cem cem)
mas roubaram-lhe noventa e nove.

A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo.

Dizem-lhe:
de pensar sem as mãos
de fazer sem a cabeça
de escutar e de não falar
de compreender sem alegrias
de amar e maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.


Dizem-lhe:
de descobrir o mundo que já existe
e de cem
roubaram-lhe noventa e nove.

Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas
que não estão juntas.

Dizem-lhe:
que as cem não existem

A criança diz:
ao contrário, as cem existem.


Loris Malaguzzi


 


 

 
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